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Como é a vida de crianças e adolescentes nos abrigos?

Às vezes ouvimos falar de crianças e adolescentes que moram em abrigos, mas sabemos pouco sobre suas vidas e as razões de terem deixado suas casas. Para tentar conhecer melhor esses meninos e meninas e como vivem longe de suas famílias, a Turminha do MPF consultou uma pesquisa publicada em 2005 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão ligado à Presidência da República, que avaliou 589 abrigos brasileiros onde viviam 19.373 crianças e adolescentes.

Na época em que foi feita a pesquisa, a maioria dos moradores desses abrigos era formada por meninos (58,5%), afro-descendentes (63%) e tinha idade entre 7 e 15 anos (61,3%). Mais da metade deles (52,6%) já vivia nas instituições por mais de dois anos, sendo que 32,9% estavam nos abrigos por um período entre dois e cinco anos; 13,3% entre seis e 10 anos; e 6,4% por um período superior a dez anos.

Um dos objetivos do levantamento feito pelo IPEA era conhecer as características dos abrigos que recebiam recursos do governo federal para complementar o financiamento de suas atividades, o tipo de atendimento que eles davam às crianças e aos adolescentes e o que faziam para garantir-lhes o direito ao convívio familiar e comunitário.

Direito à convivência familiar
 

O acolhimento em abrigos tem que ser excepcional e provisório, tendo sempre em vista o retorno da criança ou do adolescente à sua família de origem no mais breve prazo possível. Os abrigados têm o direito de manter os vínculos com suas famílias e estas necessitam de apoio para receber seus filhos de volta e conseguir exercer suas funções de forma adequada.

Enquanto as crianças e os adolescentes permanecem nos abrigos, o artigo 92 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) lhes assegura o direito à convivência familiar e comunitária, que pode lhes ser garantido também pela colocação em família substituta ou pela vivência em instituições acolhedoras e semelhantes a residências, que proporcionem um atendimento individualizado e personalizado.

Ao contrário do que muitos podem pensar, a maioria dos abrigados (86,7%) tinha família e apenas 5,2% eram órfãos. No entanto, apesar de tantos terem família, somente 58,2% mantinham vínculos familiares. Os outros 28,5% que tinham família, mas viviam totalmente afastados dela, não estavam impedidos pela justiça de ver seus pais. Apenas 5,8% estavam nessa condição. Por que então ficavam nos abrigos sem contato com seus familiares?

O que se constatou foi que muitos abrigos não incentivavam o convívio familiar recomendado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, permitindo que os pais fossem visitar os filhos ou que estes fossem passar os finais de semana em casa. Mas não se pode atribuir essa falha apenas à negligência dessas instituições, pois alguns pais, de fato, abandonaram totalmente seus filhos ou estavam doentes e não tinham como ir visitá-los.

Pobreza não pode ser causa de acolhimento em abrigos
 

A investigação sobre os motivos que levaram esses meninos e essas meninas aos abrigos mostrou que a pobreza era o mais recorrente, com 24,1% dos casos. Em seguida vinha o abandono (18,8%), a violência doméstica (11,6%), a dependência química dos pais ou responsáveis, incluindo alcoolismo (11,3%), a vivência de rua (7%) e a orfandade (5,2%).

Mas a pobreza, principal motivo apontado, não pode ser causa de acolhimento dessas crianças e adolescente em abrigos. O artigo 23 do ECA estabelece que a “falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder” e “não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.”

Para solucionar esses casos, os municípios devem identificar as crianças e adolescentes que estão em abrigos exclusivamente em razão da pobreza de seus pais e dar prioridade ao atendimento de suas famílias em serviços, programas, projetos e benefícios do governo para apressar o processo de reintegração familiar.

A presença de deficiência, transtorno mental ou outras doenças dos pais ou responsáveis também não deveria, por si só, impedir o convívio familiar ou provocar o acolhimento dos filhos em instituições. Nessas situações o melhor é o encaminhamento para serviços da rede pública de saúde, prestados em ambulatórios ou até no próprio domicílio, que possam contribuir para a preservação do convívio e reintegração familiar.

Famílias precisam de apoio para sua reestruturação
 

As políticas de atenção a crianças e adolescentes precisam estar articuladas com ações de ajuda às famílias para evitar a institucionalização ou abreviá-la quando se mostrar excepcionalmente necessária. A capacidade da família de desempenhar plenamente suas responsabilidades e funções está ligada ao seu acesso à saúde, educação, trabalho e demais direitos sociais.

Quando a separação for inevitável, as crianças e seus familiares precisam receber cuidados para facilitar e abreviar a reintegração.  Se isso não for possível, deve-se apelar para a colocação em uma família substituta. O Estatuto estabelece como princípio a ser seguido pelos abrigos “a colocação em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem” (Lei 8.069/90, Art. 92, Inc.II).

Mas a destituição do pátrio poder, que implica no afastamento definitivo da criança e do adolescente de sua família, só pode ser determinada pelo juiz depois de realizadas todas as tentativas de resolver os problemas que provocaram a separação. Para não ocorrerem injustiças, é da maior importância que as famílias recebam apoio e suporte para sua reestruturação. Em muitos casos, a maior agilidade dos processos de perda do poder familiar pode provocar inúmeras injustiças em famílias que sequer receberam apoio e/ou tiveram tempo para reintegração de seus filhos em seu meio.

A reestruturação familiar envolve aspectos complexos, relacionados à superação de fatores difíceis de resolver no curto prazo, como o desemprego e a dependência de drogas, por exemplo, e que demandam muito mais da coordenação de outras políticas públicas do que do esforço isolado das próprias instituições de abrigo. Mas estas entidades podem realizar ações de valorização da família.
 
Os abrigos podem auxiliar a reestruturação familiar por meio das seguintes ações:

  • visitas domiciliares às famílias das crianças e dos adolescentes sob sua responsabilidade;
  • acompanhamento social das famílias;
  • organização de reuniões ou grupos de discussão e de apoio para os familiares dos abrigados;
  • e encaminhamento das famílias para a inserção em programas oficiais ou comunitários de auxílio/proteção à família.

Mas, infelizmente, de acordo com a pesquisa do IPEA apenas 14,1% das instituições avaliadas realizavam todas essas ações conjuntamente.

Os abrigos incentivam a convivência familiar?
 

A pesquisa do IPEA procurou avaliar se os abrigos estavam promovendo a preservação dos vínculos familiares por meio do incentivo à convivência das crianças e dos adolescentes com suas famílias de origem e do não desmembramento de grupos de irmãos abrigados.

Ainda que várias instituições praticassem algumas dessas ações isoladamente, somente 5,8% delas desenvolviam as duas conjuntamente e ofereciam opção para crianças e adolescentes ficarem aos cuidados da instituição durante a semana e retornarem às suas casas nos fins de semana. Em 78,4% dos abrigos predominava o regime de permanência continuada, onde crianças e adolescentes ficavam no abrigo o tempo todo, fazendo da instituição seu local de moradia.

Os abrigos são responsáveis pela avaliação periódica das condições de reintegração à família de origem e pela rápida comunicação às autoridades judiciárias quando esgotadas essas possibilidades, para que sejam providenciadas, quando for o caso, a destituição do poder familiar e a colocação em família substituta.

A colocação em família substituta é uma forma de garantir o direito à convivência familiar para os meninos e meninas cujas chances de retorno para suas famílias de origem foram esgotadas. O ECA estabelece como princípio a ser seguido pelos abrigos “a colocação em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem” (Lei 8.069/90, art. 92, inc.II).

Mesmo que a colocação em família substituta não dependa exclusivamente do trabalho das instituições de abrigo, elas podem desempenhar um papel fundamental nesse processo, incentivando a convivência de crianças e adolescentes abrigados com outras famílias por meio de ações como:

  • o incentivo à integração em família substituta sob as formas de guarda, tutela ou adoção;
  • o envio de relatórios periódicos sobre a situação dos abrigados e de suas famílias para as Varas da Infância e da Juventude (órgãos responsáveis pela aplicação de quaisquer outras medidas de proteção, incluindo a colocação em família substituta);
  • e a manutenção de programas de apadrinhamento afetivo, alternativa de referência familiar para as crianças e os adolescentes abrigados.

Das 589 instituições pesquisadas, apenas 22,1% desenvolviam todas essas ações de incentivo à convivência dos abrigados com outras famílias.

Que crianças e adolescentes poderiam ser adotados?
 

Embora o Judiciário seja o órgão legalmente responsável pela determinação das medidas de proteção a crianças e adolescentes em situação de risco – no caso dos abrigados, a reintegração à família de origem ou colocação em família substituta – muitas vezes ele fica incapacitado de alterar a situação de inúmeros meninos e meninas que vivem uma parte significativa de suas vidas em instituições de abrigo e privados do direito à convivência familiar. Isso porque grande parte deles sequer tem processo de abrigamento na justiça.

De acordo com os dados coletados pelo IPEA, apenas 54,6% das crianças e adolescentes abrigados nas instituições pesquisadas tinham processo nas varas da Justiça. Os demais talvez estivessem nas instituições sem que houvesse sequer conhecimento judicial, em total contradição com o ECA, que estabelece um prazo de dois dias úteis para que os responsáveis pelos abrigos comuniquem à Justiça o acolhimento de crianças e adolescentes em seus programas sem prévia medida judicial (por encaminhamento dos Conselhos Tutelares, das próprias famílias ou dos órgãos do executivo local).

Outro fator que dificultava a convivência familiar de crianças e adolescentes era que apenas 10,7% deles estavam judicialmente em condições de ser adotados. Embora mais da metade estivessem nas instituições por um período superior a 2 anos – sendo que 20,7% lá estavam por mais de 6 anos - a grande maioria desses meninos e meninas vivia a paradoxal situação de estar juridicamente vinculada a uma família que, na prática, já abrira mão da responsabilidade de cuidar deles ou, então, não recebia o apoio necessário do Estado para conseguir trazer os filhos de volta para casa.

Quando o encaminhamento para adoção representar a melhor medida para a criança ou adolescente, as equipes do abrigo e da Justiça da Infância e da Juventude devem realizar um planejamento para aproximar gradativamente adotantes e criança/adolescente a ser adotado e assim facilitar a construção de um vínculo de afeto entre eles.

Os contatos podem ser iniciados no abrigo e estendidos, posteriormente, a passeios com a nova família ou visitas à casa dela nos finais de semana e feriados. Além da preparação dos adotantes e da criança/adolescente, o educador/cuidador ou a família acolhedora deverá também ser incluído no processo, sendo, inclusive, orientado quanto à preparação da criança/adolescente para a adoção.

Os adolescentes atendidos em serviços de acolhimento devem receber uma atenção especial, principalmente aqueles cujas possibilidades de reintegração à família de origem foram esgotadas e têm poucas chances de serem colocados em família substituta, em razão das dificuldades de se encontrar famílias para eles. O atendimento, nesses casos, deve visar o fortalecimento dos vínculos comunitários, a qualificação profissional e a construção de um projeto de vida. Para apoiá-los após a maioridade, devem ser organizados serviços de acolhimento em repúblicas, como uma forma de transição entre o serviço de acolhimento para crianças e adolescentes e a aquisição da autonomia. 

Abrigos devem ser parecidos com uma residência
 

Quando há um número elevado de crianças e adolescentes vivendo em um abrigo, é difícil dar a eles um atendimento individualizado. De acordo com psicólogos, se uma situação assim se prolonga por muito tempo, pode provocar grande carência afetiva, dificuldade para estabelecer vínculos, baixa autoestima, atrasos no desenvolvimento psicomotor e pouca familiaridade com rotinas familiares. Nesses casos, crianças e adolescentes também têm dificuldade para adquirir sentimento de pertencimento e adaptar-se ao convívio em família e na comunidade.

Para que o acolhimento seja o mais semelhante possível ao da rotina familiar, as entidades não devem manter placas ou faixas externas que as identifiquem como abrigos. A construção deve parecer com uma residência comum, evitando-se os grandes pavilhões, típicos dos antigos orfanatos. O atendimento em pequenos grupos permite que se preste mais atenção às características individuais de cada criança ou adolescente e às especificidades de suas histórias de vida.

Para avaliar se os abrigos eram semelhantes a residências comuns, a pesquisa do IPEA analisou dois aspectos: a estrutura física e o atendimento em pequenos grupos. Em relação à estrutura física, foram considerados os seguintes aspectos:

  • características residenciais externas, com pelo menos uma edificação do tipo “casa”;
  • existência de, no máximo, 6 dormitórios;
  • acomodação de, no máximo, quatro crianças e adolescentes por dormitório;
  • existência de espaços individuais para que eles pudessem guardar seus objetos pessoais;
  • e existência de áreas exclusivas para serviços especializados (consultório médico, gabinete odontológico, salas de aula e oficinas profissionalizantes).


Em relação ao atendimento em pequenos grupos, foi considerada a relação entre o número de crianças e adolescentes abrigados e o número de profissionais encarregados de cuidar deles. Considerou-se como adequada à relação de um profissional responsável (pais sociais, educadores, monitores) para até 12 crianças e adolescente. Considerando-se os dois aspectos (estrutura física e atendimento em pequenos grupos) para avaliar a semelhança dos abrigos com residências comuns, observou-se que apenas 8% deles cumpriam simultaneamente esses requisitos.

Crianças e adolescentes precisam de convivência comunitária

 

As crianças e os adolescentes que vivem em abrigos não devem ser privados de liberdade. Durante muitos anos essas instituições ofereceram todos os serviços que os abrigados necessitavam, como educação, saúde, lazer, etc. Isso resultava em um quase aprisionamento dos internos e na perda do convívio com a comunidade, pois nunca saiam dos abrigos para praticar as atividades habituais de toda criança e jovem que vive com sua família.

A participação na vida comunitária é um direito estabelecido pelo ECA às crianças e aos adolescentes, mas ele só tem como ser garantido aos abrigados que tiverem acesso às políticas básicas e aos serviços oferecidos para a comunidade em geral, como as atividades externas de lazer, esporte, religião e cultura em interação com a comunidade da escola, do bairro e da cidade. A convivência comunitária evita a alienação e inadequação dos abrigados para o convívio social.

O levantamento nacional mostrou um quadro preocupante nesse sentido: apenas 6,6% dos abrigos pesquisados utilizavam todos os serviços necessários a crianças e adolescentes disponíveis na comunidade, tais como creche, ensino regular, profissionalização para adolescentes, assistência médica e odontológica, atividades culturais, esportivas e de lazer e assistência jurídica. A maioria das instituições (80,3%) ainda oferecia pelo menos um desses serviços diretamente (de forma exclusiva) dentro do abrigo.

Fontes:

 

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